Meditamos no texto da Epístola deste dia, em especial os versículos 1 e 2 de 1 Coríntios 2: “Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado”.
Estimados professores, funcionários e estudantes desta casa, estimados pastores e membros da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, estimados familiares de nossos alunos e visitantes. As palavras do apóstolo estão diretamente ligadas ao tema principal do capítulo anterior – a palavra da cruz, que é loucura para os que se perdem, mas é o poder de Deus para salvar. Em outras palavras, Deus decidiu salvar o mundo por meio da cruz – isto é, por meio da morte de seu Filho Jesus Cristo.
No próprio capítulo 1 Paulo ilustrou esta verdade mostrando que Deus chamou muitas pessoas em Corinto que não seriam consideradas importantes pela sociedade. Agora, no texto de hoje, Paulo dá uma segunda ilustração, com a sua própria pessoa – e que vale para os pregadores de hoje, os atuais e os que estão se preparando para o futuro ministério.
Ao dizer, “quando fui ter convosco … não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria”, Paulo está contrastando sua atuação, sua maneira de anunciar a mensagem, com alguns oradores da época, que usavam de artifícios para convencer, mesmo que a mensagem não fosse significativa.
Ao dizer isto, Paulo está fazendo um alerta também para a igreja hoje. Deus não é o Deus do espetáculo humano! Mas da cruz! Há pouco tempo li uma tese de doutorado de uma socióloga cristã, que faz um extenso estudo sobre uma denominação cristã brasileira e sobre como nossa sociedade está se caracterizando por ser uma “sociedade de espetáculo”, que acaba se refletindo na maneira da própria igreja agir. Cuidado – a igreja cristã, a noiva de Cristo, amada e purificada pelo batismo, está sendo invadida por uma sociedade do espetáculo! Tudo tem de ser espetacular, tem que “mexer” com as pessoas, tem que fazer chorar, ou rir, ou cair, ou levantar. Tem que – como às vezes se diz – ter “poder”! Mas que poder?
No tempo de Paulo, este “poder” se manifestava nas práticas dos retóricos, que se gabavam de ter a melhor capacidade de convencer as pessoas pelo discurso (nada diferente do que se vê muitas vezes na política hoje). Naquela época a palavra tanto falada como escrita era instrumento para convencer pessoas e chamar a atenção para aquele que estava falando ou escrevendo. Isso também vale hoje, mas como lembra um comentarista desta epístola, vivemos num tempo em que talvez a eloquência retórica do tipo clássico já nem mais impressione tanto como a imagem! Assim, em nosso tempo, o instrumento para chamar a atenção mais para o pregador do que para a mensagem não é só a capacidade de falar e convencer pelo discurso. A imagem do pregador, e junto com ela o sentimento e emoções que ele consegue fazer as pessoas sentirem, por vezes acaba sendo mais importante que a mensagem.
Por vezes se fala que se quer ser como Davi e matar gigantes, como Moisés e abrir o mar, como Abraão e fazer uma longa jornada de fé, como Paulo e evangelizar nações distantes … mas se esquece dos milhares, milhões de cristãos anônimos e de pregadores do evangelho que na história e que hoje são instrumentos de Deus em tarefas simples, aparentemente pequenas, fracas! O pastor que visita o idoso no hospital e lhe leva a santa ceia; que batiza aquela criancinha que ainda nem tem noção do que está acontecendo; que anuncia fielmente a salvação exclusivamente em Jesus para o pequeno rebanho que está a sua frente; que aconselha o jovem que se sente tentado a cair da fé diante do que ouve nas aulas na faculdade … estes são verdadeiros milagres! Quem quer fazê-los? Sem ostentação, sem chamar a atenção … coisas que a maioria das pessoas não vai nem ficar sabendo que aconteceu, mas que terão fruto na eternidade, na felicidade eterna dos que foram confiados ao serviço do pastor.
“Decidi nada saber, senão Jesus Cristo e este crucificado”! É claro que Paulo não esquece a ressurreição de Jesus. Ele é o grande proclamador da ressurreição de Jesus, base para a nossa ressurreição e isso fica evidente nesta mesma epístola, com o maravilhoso capítulo 15. Mas sua ênfase na crucificação, na morte de Jesus, se dá pelo menos por dois motivos. Um, pelo contexto em que ele está, em que se valoriza aquilo que aparece, que é bonito, que é glorioso, que chama a atenção, pela sabedoria das palavras humanas, pela eloquência. Paulo insiste: Deus se torna conhecido no Cristo crucificado. “Deus na cruz é meu amado”, diz um dos belos hinos de nosso hinário. Maravilhosa verdade e confissão de fé!
Mas o outro motivo pelo qual Paulo anuncia o Cristo crucificado é pelo valor em si da morte de Cristo. Por meio dela o Deus humanado reconciliou o mundo consigo mesmo, pagou pelos pecados, tirou as culpas, abriu as portas da comunhão com Deus e da feliz vida eterna. Isso Paulo vive e desfruta ele próprio. Meus irmãos – isso nós temos como o mais preciso tesouro – na morte de Jesus o mundo – e cada um de nós – foi reconciliado com Deus.
Na sua pregação Paulo demonstrou, em termos muito práticos, o que significa anunciar o Cristo crucificado. Para ele não se trata de simplesmente contar uma história do que aconteceu lá em Jerusalém, algumas décadas antes da escrita desta carta. Para Paulo a obra de Cristo é presente. Ele não precisa usar de recursos de retórica, nem de emoções forçadas para “levar as pessoas até Jesus”. Ele traz Jesus até as pessoas – ou melhor, o próprio Jesus vem até as pessoas e assim Ele o faz hoje – na palavra anunciada, no batismo – que nos faz morrer e ressuscitar com Jesus, na santa ceia – em que recebemos seu corpo e seu sangue para perdão e fortalecimento na comunhão com ele e com os irmãos. Paulo quer deixar claro que ele não confia nas suas próprias habilidades retóricas para fazer o evangelho poderoso. O evangelho tem o poder de converter e sustentar na fé, pela ação do Espírito Santo.
O teólogo Donald Carson, a propósito das palavras de Paulo, alerta contra interpretações erradas sobre o que o apóstolo quer dizer. Ele afirma: “Seria completamente errado deduzir que Paulo fosse um orador incompetente, um mau comunicador. … O que Paulo evitava era usar de uma comunicação que trouxesse aplausos ao orador, mas desviasse as pessoas da mensagem. Pregadores preguiçosos não têm o direito de apelar a 1 Coríntios 2 para justificar a preguiça no estudo e a falta de cuidado no anúncio no púlpito. Estes versículos não proíbem uma preparação cuidadosa, paixão pelo que se faz, expressão clara da mensagem e mesmo uma apresentação persuasiva. Na verdade, [estas palavras de Paulo] alertam contra qualquer método que leve as pessoas a dizerem: ‘Que pregador maravilhoso’, ao invés de dizerem ‘Que Salvador maravilhoso!” (apud Lockwood, 1 Corinthians, p. 84, n. 18)
Neste tempo de Epifania, a Igreja medita de maneira especial na missão de Deus – na palavra que vem de Belém e que dos pastores e magos vai ao mundo. É significativo que iniciemos o ano letivo do Seminário neste tempo tão especial. Deus está realizando a sua obra, por meio da proclamação da cruz! Ele faz sua obra para nós e nosso bem eterno! Você e eu somos abraçados pelo Pai de amor, que nos deu Jesus como nosso querido Salvador. Ele faz sua obra por meio de nós, como instrumentos que anunciam sua graça e misericórdia conforme a vocação na qual fomos chamados.
Que neste ano letivo o gracioso Deus nos conduza pelo Seu Santo Espírito para que funcionários, professores e alunos desta casa, e a igreja que a mantém, sejam, primeiro, acolhidos e consolados no perdão e comunhão com o Pai que temos no Cristo crucificado; e também que sejam instrumentos no preparo de pregadores que saiam pelo mundo afora a anunciar a única mensagem que levará pessoas ao céu: Jesus Cristo, o crucificado, o nosso amado Salvador. Amém.
Autor: Professor, Ms. Gerson L. Linden, Seminário Concórdia.